Geometria Esférica - Postulados de Euclides
Nesta secção pretendemos ver se a Geometria Esférica, com as correspondências que estabelecemos com a Geometria no Plano, satisfaz os Postulados de Euclides.
Em Geometria Esféria este postulado corresponderá a: "Dados dois pontos em , há um segmento esférico que os une". Em Geometria no Plano vimos ainda que, dados dois pontos, existe um e um só segmento de reta que os une.
Dados dois pontos e de , sabemos que, quando os três pontos , e são não colineares, eles definem um (único) plano que passa pelo centro de , logo, nesse caso, esses três pontos definem um único grande círculo que contém e . Pelo que vimos no subcapítulo anterior, podemos concluir que, neste caso, existe um único segmento esférico que une os pontos e . É também fácil provar que os pontos , e são não colineares só e só se e não forem antípodas. Podemos finalmente concluir que, se e não são antípodas, então existe um e um só segmento esférico que os une, obtendo assim um caso inteiramente análogo ao correspondente que ocorre em de Geometria no Plano para pontos e segmentos de reta.
Apliqueta 13: Nesta apliqueta tens dois pontos arbitrários de , e . Para observares o que é pretendido, quando moveres o ponto deves ter o cuidado de garantir que ele não fique a coincidir com os pontos ou (pois, no caso aqui em estudo, estamos a considerar que os pontos , e são não colineares). Através das 2.ª e 3.ª caixas presentes na apliqueta podes observar que existe sempre um segmento esférico que liga a . Utilizando a 4.ª e 5.ª caixas, e deslocando os pontos e , podes depois conjeturar que o segmento esférico presente na apliqueta é único, pois qualquer segmento esférico que ligue os pontos e tem de ser arco menor do círculo máximo (para isso basta observares que um arco menor do círculo máximo arbitrário liga a se e só se os grandes círculos e coincidem). A 5.ª caixa está presente apenas para facilmente poderes confirmar que os círculos e são máximos.
Apliqueta 14: Nesta apliqueta tens três pontos , e de , em que dois deles são antípodas (os pontos e ), e dois arcos de circunferência que ligam os pontos e (um representado a azul e o outro a cor de rosa). Movimentando livremente o ponto em , podes observar que existe um número indefinido de arcos de circunferência que ligam a . Facilmente podes concluir que todos esses arcos de circunferência são segmentos esféricos e que medem exatamente o mesmo (), pois todos eles ligam dois antípodas. Podemos então conjeturar que existe um número indefinido de segmentos esféricos entre dois antípodas, e que todos eles medem o mesmo ().
O outro caso é aquele em que os pontos e são colineares, ou seja, aquele em que os pontos e são antípodas. Neste caso existe um número indeterminado de segmentos esféricos que unem e , pois qualquer semicírculo máximo com extremos nesses pontos satisfaz o pretendido.
Então o I Postulado de Euclides é verificado em Geometria Esférica. No entanto o resultado que se verifica em Geometria no Plano, de haver um e um só segmento de reta a unir dois pontos, nem sempre tem correspondente em Geometria Esférica:
caso os dois pontos não sejam antípodas, então essa unicidade de existência ocorre, mas,
caso os dois pontos sejam antípodas, existe um número indeterminado de segmentos esféricos que os une (no entanto são todos semicírculos máximos e, portanto, não levantam qualquer problema com a nossa definição de distância entre pontos de ).
II Postulado: "Um segmento de reta pode ser prolongado indefinidamente para construir uma reta". Em Geometria Esféria este postulado corresponderá a: "Um segmento esférico pode ser prolongado indeterminadamente para construir um grande círculo". Pelo observado no subcapítulo anterior (nomeadamente, através da utilização da Apliqueta 10), o correspondente ao II Postulado verifica-se em Geometria Esférica, pois, por definição de segmento esférico, é obvio que qualquer segmento esférico pode ser prolongado para construir um círculo máximo.
Apliqueta 15: Nesta apliqueta tens um segmento esférico e, recorrendo à 1.ª caixa, podes visualizar o seu prolongamento ao grande círculo . A 2.ª caixa está presente apenas para poderes confirmar que, de facto, é um segmento esférico e que é um círculo máximo.
III Postulado: "Dados um ponto qualquer e uma distância qualquer pode-se construir um círculo de centro naquele ponto e com raio igual à distância dada". Convém notar que, no contexto em que é expresso o III Postulado, círculo pode também ser interpretado como circunferência. Por isso, a correspondência que iremos fazer a este postulado em Geometria Esférica é: "Dado um ponto e uma distância qualquer pode-se construir uma circunferência de centro naquele ponto e com raio igual à distância dada."
Por definição, uma circunferência de centro em (um ponto do universo considerado) e raio (um número real positivo) é o conjunto de todos os pontos (do universo considerado) que distam de . Então, no caso da Geometria Esférica, as circunferências a considerar têm o centro e todos os pontos que distam o raio do centro em . Com estas considerações, vamos então tentar conjeturar acerca da validade deste postulado através da próxima apliqueta.
Apliqueta 16: Nesta apliqueta são-te inicialmente apresentados dois pontos e de e dois pontos (o centro de ) e contidos na esfera cuja superfície esférica é . O ponto vai desempenhar o papel de centro da circunferência que vamos utilizar ao longo de toda a utilização desta apliqueta, e podes movê-lo livremente em . O ponto é um ponto do segmento de reta , onde e são os pontos de interseção da reta e de (para visualizares a reta , os pontos e , e o segmento de reta , basta selecionares as respetivas caixas na apliqueta). Podes mover livremente o ponto ao longo de e, ao fazê-lo, vais obter circunferências (contidas em ) com centro em de diferentes raios. Através da definição do centro da circunferência, o ponto (um ponto arbitrário de ), e da maneira como o raio da circunferência é determinado, podes conjeturar que, através desta construção pode-se obter qualquer circunferência com centro em que esteja contida em . Então, da observação das medidas de comprimento do raio destas circunferências, podes conjeturar que o raio apenas varia entre os valores e , o que faz todo o sentido se pensares na maneira como se constrói cada uma destas circunferências:
- raio quando no lugar da circunferência se tem um único ponto, o ponto ou o seu antípoda;
- raio em todos os outros casos.
Através da manipulação da apliqueta anterior pudeste conjeturar que, qualquer circunferência contida em e com centro em tem raio com medida de comprimento entre e . Então podes conjeturar que, dado um ponto em e uma distância qualquer não é possível construir uma circunferência com centro naquele ponto e com raio igual à distância dada, ou seja, podes conjeturar que o correspondente em Geometria Esférica ao III Postulado de Euclides não é válido e, como tal, a Geometria Esférica é uma geometria não euclidiana.
IV Postulado: "Todos os ângulos retos são iguais". O correspondente em Geometria Esféria a este postulado enuncia-se exatamente da mesma maneira. Vamos tentar ver se este correspondente é válido em Geometria Esférica. Para isso, dados dois grandes círculos perpendiculares entre si arbitrários, vamos querer observar que quaisquer dos ângulos entre os dois círculos máximos são retos. Na apliqueta seguinte vamos ter dois grandes círculos perpendiculares (o que se consegue pela construção dos mesmos no GeoGebra) arbitrários e, mais uma vez recorrendo às potencialidades deste programa de geometria dinâmica, vamos conseguir calcular as medidas de amplitude de todos os ângulos entre esses dois grandes círculos e conjeturar que este postulado é válido em Geometria Esférica.
Apliqueta 17: Nesta apliqueta são-te apresentados dois grandes círculos perpendiculares entre si. Esta perpendicularidade foi conseguida através das construções desses círculos no GeoGebra e podes observá-la através da medida de amplitude desse ângulo () que também te é apresentado desde o início. O grande círculo está fixo, mas, deslocando os pontos e em , podes obter qualquer círculo máximo perpendicular ao grande círculo . Com as caixas presentes na apliqueta podes visualizar que, para cada situação, os ângulos obtidos retos são todos iguais. Para essa constatação é fundamental o papel desempenhado pelo GeoGebra, que em cada situação nos calcula automaticamente as medidas de amplitude de cada um dos ângulos retos, permitindo-nos assim conjeturar que são todos iguais.
Axioma euclidiano de paralelismo: "Por um ponto fora de uma reta não passa mais que uma reta a ela paralela". Na Geometria Esférica este axioma euclidiano de paralelismo corresponde a: "Por um ponto da esfera trigonométrica fora de um grande círculo não passa mais que um grande círculo a ele paralelo". Em Geometria no Plano vimos que este axioma se verifica e vimos até que por um ponto fora de uma reta passa uma e só uma reta a ela paralela. Em Geometria Esférica será que conseguiremos chegar às mesmas conclusões?
Apliqueta 18: Nesta apliqueta são-te apresentados um círculo máximo arbitrário e um ponto exterior a esse grande círculo, , também ele arbitrário. Podes deslocar livremente os pontos , em para obteres qualquer grande círculo, e deslocar livremente o ponto em para obteres qualquer ponto que exterior ao grande círculo escolhido (para isso deves ter o cuidado de não colocar no círculo máximo ), mas, de acordo com o que nos propomos aqui fazer, a partir do momento em que defines as suas posições, não as deves alterar (estes cuidados não tem qualquer implicação negativa nesta experiência mas devemos tê-los para mantermos o rigor). Selecionando a 1.ª caixa da apliqueta, obténs um grande círculo que passa em , , e um novo ponto, , pertencente a esse círculo máximo . Deslocando o ponto , podes obter todos os grandes círculos que passam em , e, podes então observar que qualquer um desses círculos interseta sempre o grande círculo em dois pontos (para facilitar a visualização desses pontos de interseção, basta selecionares a 2.ª caixa da apliqueta). Podes então conjeturar que, dado um grande círculo e um ponto que lhe seja exterior, não existe nenhum grande círculo que lhe seja paralelo.
Utilizando a apliqueta anterior conseguimos conjeturar que, por um ponto exterior a um grande círculo não passa mais que um grande círculo que seja paralelo ao grande círculo dado. De facto, qualquer grande círculo que passe no ponto dado vai intersetar o círculo máximo original em dois pontos, e, como tal, não há nenhum grande círculo paralelo ao inicial, logo, o correspondente ao axioma euclidiano de paralelismo é válido em Geometria Esférica. No entanto, em Geometria no Plano, por um ponto fora de uma reta passa uma (única) reta a ela paralela, e este resultado não tem correspondente em Geometria Esférica.