Análise da Atividade III
Analise em quais combinações de segmentos é possível construir um triângulo e associe os lados do triângulo aos arcos de uma circunferência.
A Atividade III tinha 10 campos para os estudantes completarem com trios de medidas de segmentos em que era possível construir um triângulo e outros 10 campos para trios em que não era possível. Além disso, os estudantes tinham que anotar suas conclusões em três espaços da folha, conforme ilustrado na imagem a seguir.
A princípio, os estudantes disseram não ter entendido o que era para ser feito na Atividade III. Quando, porém, eram perguntados se tinham lido as instruções que estavam na folha, eles respondiam que não. A falta de leitura das atividades, ou até mesmo de uma leitura atenta, é um dilema nas aulas de Matemática. Fonseca e Cardoso (2005) advertem que a Matemática necessita do ato da leitura, da mesma forma que outra disciplina. O que se percebe durante as aulas de Matemática é que os estudantes não leem antes de tentar fazer. Eles esperam que alguém explique para eles o que deve ser feito. Logo, quando foram distribuídas as atividades para os estudantes, eles já perguntaram o que era para ser feito, ou seja, eles nem leram e já queriam que alguém explicasse o que tinham que fazer. Os estudantes que têm dificuldade de leitura ou que leem, mas não têm compreensão sobre o que leram, certamente terão dificuldades no aprendizado de diferentes conteúdos escolares (OLIVEIRA; BORUCHOVITCH; SANTOS, 2008). Os campos para completar com as combinações que eram possíveis foram colocados na cor verde e os aqueles em que não era possível, na cor vermelha, com o intuito de facilitar o entendimento da atividade e preenchimento dos campos pelos estudantes. Nessa primeira parte da atividade, nas combinações de segmentos em que era possível construir um triângulo, todos os grupos colocaram pelo menos um trio de medidas iguais, que representaria um triângulo equilátero. Um dos grupos colocou todas as combinações possíveis como sendo triângulos equiláteros. Esse grupo chamou durante a realização da atividade e disse o seguinte: "Professor, é só colocar tudo igual que dá certo, uai!" (excerto da gravação de voz do dia 23/08/2022, parte inicial da aula). Foi explicado que realmente isso funcionaria e questionado o seguinte: "E se vocês colocarem os segmentos com medidas diferentes, com certeza daria errado ou alguma combinação funcionaria?" (excerto da gravação de voz do dia 23/08/2022, parte inicial da aula). É interessante que o professor confirme o pensamento do estudante e depois argumente para que ele expanda o seu pensamento. Se a atitude fosse falar: "Não, não é assim!", isso poderia fazer com que o estudante perdesse o interesse na atividade. Logo, compreendeu-se que o professor deve questionar os seus estudantes com o objetivo de apoiar o pensamento deles. A partir desse objetivo, o docente deve acompanhar a resolução dos estudantes, fornecendo apenas as informações estritamente necessárias, sem reduzir significativamente o desafio da tarefa proposta (MATA-PEREIRA; PONTE, 2016, p. 38). Ainda sobre as combinações em que é possível formar um triângulo, apenas metade dos grupos tentou formar triângulos escalenos. A outra metade se limitou a testar somente equiláteros e isósceles. Sobre as medidas informadas, apenas um dos grupos testou valores superiores a 14, o grupo 3. Um dos testes desse grupo foi a combinação 66, 99 e 29, em que não era possível formar um triângulo e o grupo colocou como possível. Esse grupo também errou ao colocar como possível a combinação 88, 33 e 44 e como não possível a combinação 12, 12 e 12. Esse grupo chamou a atenção em relação aos demais por ter colocado muitas combinações, algumas com valores altos, mas várias delas erradas. Na parte da atividade que pedia para os estudantes explicarem por que não é possível construir alguns triângulos, esse grupo registrou: "Porque um ficou maior do que os outros" (excerto da folha de respostas da Atividade III), que pode ser uma conclusão que se aproxima da correta, visto que se um dos lados for maior que a soma dos outros dois, realmente não será possível formar o triângulo. A fim de conhecer o que poderia ter feito esse grupo tirar conclusões erradas sobre as combinações de segmentos, verificou-se se o gravador de voz tinha ficado com eles. Sim! Os testes foram feitos por uma aluna e a conclusão se era possível ou não era dita em voz alta para outra pessoa do grupo anotar. Esse grupo era formado por três estudantes e no momento desses testes apenas a aluna que estava fazendo os testes parecia estar olhando para o celular, um estudante estava bem distraído e a outra parecia que estava anotando. Isso aconteceu na metade da gravação de voz. No momento em que eles fizeram esses testes, a aluna responsável pelos testes ditou o seguinte (excerto da gravação de voz do dia 23/08/2022, metade da aula).
- Aluna: Deu! 88, 33 e 44.
- Aluna: Não deu! 12, 12 e 12.
- Aluna: Deu! 45, 25 e 63.
- Aluna: Não deu! 19, 20 e 21.
- Aluna: Não deu! 98, 84 e 45.
- Aluna: Não deu! 15, 1 e 3.
Desses testes, apenas o terceiro e o sexto estavam corretos. A aluna, para tirar as conclusões se era possível ou não, digitou os valores na tela e da forma como apareceu ela concluiu, sem necessariamente arrastar os segmentos para tentar formar os triângulos. Pode-se analisar isso a partir de duas situações. Situação 1 (à esquerda): ao digitar a primeira combinação, pode ser que dois segmentos se cruzem, sem que necessariamente as extremidades se encontrem; e ela entendeu isso como um triângulo. Situação 2 (à direita): pode ser que as extremidades de dois segmentos aparentemente não se encontrem, mas quando são arrastadas, elas passam a se encontrar; e ela entendeu isso como não sendo um triângulo.
Essa confusão é comum e apareceu desde o primeiro teste feito com a Atividade III. Tanto que a Atividade I foi criada exatamente para que os estudantes pudessem analisar os casos que seriam triângulos e os casos que não seriam. No momento da discussão da Atividade I, isso foi reforçado e explicado aos estudantes. Contudo, observou-se que o grupo 3 não compreendeu. A seguir descrevem-se as conclusões obtidas por cada um dos grupos, nas três partes da atividade. A numeração dos grupos permanece a mesma do primeiro encontro. São conclusões obtidas a partir da folha de respostas da Atividade III na parte que dizia: "Expliquem por que não é possível construir alguns triângulos":
- “Pois não podem ser desproporcional.”;
- “Porque uma é pequena demais.”;
- “Porque um ficou maior do que os outros.”;
- “Porque os tamanhos não são iguais.”;
- “Devido ao tamanho das extremidades serem pequenas e algumas maiores.”;
- “Porque os pontos precisam se encontrar e com algumas medidas não é possível juntar os pontos.”;
- “Porque tem lados que não tem o mesmo tamanho e outros tem.”;
- “Quando o número não é repetido, não está em ordem ou não são todos iguais, ele não forma um triângulo.”.
A partir dessas conclusões, abstraiu-se que alguns grupos entenderam que com qualquer trio de segmentos de mesma medida é possível construir um triângulo, como os grupos 4, 7 e 8. Já a conclusão obtida pelo grupo 6 se aproxima mais do esperado. Esse grupo era formado por apenas duas alunas, que chegaram um pouco depois do início do primeiro encontro. Elas demonstraram ter percebido que há uma condição para a formação dos triângulos e relacionaram essa condição à Atividade I, em que, se os pontos não se encontrassem, não se formava um triângulo. O grupo 6 parece ter entendido a importância da Atividade I e o grupo 3, citado nas duas páginas anteriores, não parece ter consolidado o que era esperado com a Atividade I. Conclusões obtidas a partir da folha de respostas da Atividade III na parte que dizia: "Tem como saber se é possível construir um triângulo apenas observando as medidas dos segmentos? Se sim, explique como":
- “Sim, pois se tiver lados iguais dá pra fazer o triângulo.”;
- “Sim, porque de acordo com o tamanho dá.”;
- “Sim, porque é só calcular as larguras.”;
- “Sim, pois o tamanho tem que ser igual para as pontinhas ficarem juntas.”;
- “Sim, pois se os segmentos forem números quase iguais pode se imaginar que o triângulo se complete perfeitamente.”;
- “Sim, se você observar dois segmentos e no caso as laterais precisam ter as medidas iguais e o segmento da base precisa ter uma medida menor que as outras.”;
- “Sim, porque números iguais vão parar em pontos iguais.”;
- “Sim, por causa que um segmento igual é mais fácil saber que é possível fazer um triângulo. Ex: 4,4,4 etc.”.
Novamente as conclusões sobre os triângulos equiláteros apareceram. Contudo, é interessante destacar uma conclusão, obtida pelo grupo 6, que é muito próxima do que se esperava atingir com essa atividade. Elas explicaram melhor seu pensamento no momento da discussão. À medida que fui falando para toda a turma, elas, com gestos, conseguiram exprimir melhor a ideia delas. Na parte da discussão da Atividade III, houve um diálogo com esse grupo, no momento da discussão com toda a turma, e essa conclusão a que elas chegaram será mais bem explicada neste momento. Conclusões obtidas a partir da folha de respostas da Atividade III na parte que dizia: "Anote aqui a quais conclusões vocês chegaram após explorarem a atividade acima":
- “Que dá pra fazer um triângulo facilmente.”;
- “Que basta ter paciência para conseguir.”;
- “É só você calcular as larguras direito usando a cabeça e os seus amigos.”;
- “Números maiores não formam um triângulo, mas números iguais ou menores sim.”;
- “Se regularem todos os segmentos com números quase próximos com algum diferente se obtém o triângulo.”;
- O grupo deixou em branco;
- “A conclusão é que depende do tamanho para conseguir fazer o triângulo.”;
- “Quando um número não é repetido, não está em ordem ou não são todos iguais, ele não forma um triângulo por causa que um segmento igual é mais fácil saber se é possível fazer um triângulo.”.
Novamente o grupo 2 demonstrou ter pouca confiança em si, associado ao fato de eles não terem conseguido por falta de paciência. Esse grupo era formado por quatro meninas que estavam bem dispersas na atividade. Nessa atividade, o gravador de voz ficou com elas e em um dos momentos da gravação elas estavam conversando sobre fotos e pausaram a atividade para tirar uma selfie e foram falar sobre os colegas. É interessante perceber que elas sabiam que o áudio estava sendo gravado, mas mesmo assim optaram por conversar sobre os colegas em vez de realizarem a atividade. Durante a atividade o gravador capturou o seguinte diálogo do grupo 1 (excerto da gravação de voz do dia 23/08/2022, metade da aula):
- Aluna: Leandro, eu tenho uma dúvida: o triângulo, ele só dá pra formar certinho se ele tiver lados iguais?
- Pesquisador: Será? Tenta formar com os lados diferentes. Esse aqui que vocês colocaram não tem todos os lados iguais.
- Aluna: Mas esse aí ele chutou.
- Pesquisador: Chutou? Mas vocês têm uma ferramenta que testa. Por exemplo, será que com lados diferentes daria certo? Tenta aí.
- Outro estudante: “Aluna”, pesquisa no Google...
O objetivo da Atividade III era que os estudantes fizessem alguns testes no GeoGebra e, a partir desses testes, tirassem alguma conclusão sobre a condição de existência de um triângulo. Contudo, assim como o grupo 1, outros grupos podem ter colocado algumas combinações de segmentos apenas para preencher o espaço ou agilizar o término da atividade. Para uma próxima utilização dessa atividade, ou os estudantes precisarão de mais tempo ou o número de testes deverá ser reduzido, visto que, ao colocar combinações erradas nos campos, o grupo fica induzido a tirar conclusões erradas também.
Nessa atividade, era esperado que os estudantes chegassem a algumas conclusões sobre as condições necessárias para a construção de um triângulo. Era uma atividade que permitia aos estudantes fazerem diversos testes e, pelo que se percebeu, foi pouca explorada. Eles foram deixados livres para usarem a ferramenta e, pelas conclusões a que chegaram e pelo que escreveram, poucos grupos chegaram a utilizar o botão "Habilitar o desabilitar rastro", que mostra a trajetória de deslocamento do ponto que é uma das extremidades dos segmentos dados, conforme ilustrado a seguir.
Essa funcionalidade é interessante para associar a construção de um triângulo à interseção de duas circunferências cujos raios são dois dos lados do triângulo e estão centralizadas nas extremidades do terceiro lado do triângulo. Acessando a versão online das atividades dos estudantes, apenas o grupo 8 deixou salva a tela que mostra que eles utilizaram esse botão. Essa versão online das atividades não tem histórico e não mostra o que eles fizeram. Mostra apenas como eles deixaram as atividades antes de sair da tela. Esse grupo foi o único que deixou com os rastros. Esse botão foi criado para facilitar que os estudantes chegassem à conclusão esperada e, talvez, durante a realização da atividade, ele poderia ter sido divulgado com mais clareza aos estudantes para que explorassem o botão. Se o grupo 6 tivesse utilizado esse botão, sua conclusão estaria mais próxima da condição de existência de um triângulo.
FONSECA, Maria C. F. R.; CARDOSO, Cleusa de A. Educação matemática e letramento: textos para ensinar matemática, matemática para ler texto. In: NACARATO, A. M.; LOPES, C. E. (org). Escritas e Leituras na Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. pp.63-76. MATA-PEREIRA, J.; PONTE, J. Ações do professor para o desenvolvimento do raciocínio matemático dos estudantes, Espaço GTI. Revista da Associação de Professores de Matemática, n. 137, p. 38, 2016. OLIVEIRA, K. L., BORUCHOVITCH, E.. & SANTOS, A.A.A. Leitura e desempenho escolar em Português e matemática no Ensino Fundamental. Paidéia: Cadernos de Psicologia e Educação, 18(41), 531–540, 2008.